Num abraço cego, senti o seu cabelo. Era tarde, cerca de cinco whiskeys e muitos sorrisos. Olhares esguios que se cruzavam, se buscavam na multidão. Sabíamos o seu significado, sabíamos o desfecho destes jogos estratégicos. Ninguém era derrotado, simplesmente, rendíamo-nos os dois. Após duras batalhas, estas tréguas pareciam vindas do céu. Mas logo se transformavam em golpes de "kung fu" verbal, pontapés emocionais. O tratado de paz acabava e voltavam as batalhas. Sabíamos que nos destruiríamos um ao outro. Mas também sabíamos que naquele momento em que os nossos se cruzassem, que seria diferente de tudo o que tinhamos sentido até àquele dia. Por sermos diferentes, por sermos contrastantes, por nos odiarmos, amavamo-nos mais, sem nenhum de nós aguentar o outro.
No final dessa noite, levei-a a casa, beijei-a, decidido a não ceder aos meus desejos carnais, inerentes à nossa frágil condição humana.
Senti o seu toque adamascado, o seu cabelo vitreamente loiro a acariciar o meu rosto. Não pensei, não questionei. Deixei os impulsos tomarem conta de mim, com um prazer culpado.
Acordei e vi-a deitada no meu peito. O quarto estava pesado, cheirava a ódio tingido de alegria. Acariciei o seu rosto e levantei-me. Vesti a camisa, vesti as calças, calcei-me e saí. Cheirava a ela. Isto irritava-me. Odiei-a por me amar e odiei-me por a amar. Jurei que nunca mais!, sabendo que bastava um olhar para voltar a ceder às suas tentações.