sábado, 23 de julho de 2011

Oposição

Num abraço cego, senti o seu cabelo. Era tarde, cerca de cinco whiskeys e muitos sorrisos. Olhares esguios que se cruzavam, se buscavam na multidão. Sabíamos o seu significado, sabíamos o desfecho destes jogos estratégicos. Ninguém era derrotado, simplesmente, rendíamo-nos os dois. Após duras batalhas, estas tréguas pareciam vindas do céu. Mas logo se transformavam em golpes de "kung fu" verbal, pontapés emocionais. O tratado de paz acabava e voltavam as batalhas. Sabíamos que nos destruiríamos um ao outro. Mas também sabíamos que naquele momento em que os nossos se cruzassem, que seria diferente de tudo o que tinhamos sentido até àquele dia. Por sermos diferentes, por sermos contrastantes, por nos odiarmos, amavamo-nos mais, sem nenhum de nós aguentar o outro.
No final dessa noite, levei-a a casa, beijei-a, decidido a não ceder aos meus desejos carnais, inerentes à nossa frágil condição humana.
Senti o seu toque adamascado, o seu cabelo vitreamente loiro a acariciar o meu rosto. Não pensei, não questionei. Deixei os impulsos tomarem conta de mim, com um prazer culpado.
Acordei e vi-a deitada no meu peito. O quarto estava pesado, cheirava a ódio tingido de alegria. Acariciei o seu rosto e levantei-me. Vesti a camisa, vesti as calças, calcei-me e saí. Cheirava a ela. Isto irritava-me. Odiei-a por me amar e odiei-me por a amar. Jurei que nunca mais!, sabendo que bastava um olhar para voltar a ceder às suas tentações.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Cristalizações

Se a noite láctea
Mostra a sua cara.
Damasco vivo,
Dor branca.

Falso consolo,
Novo ombro.
Novas lamúrias,
Velhos conselhos.

Mas se a luz não for para todos?
Se o Sol nascer diferente?
Vai ao fundo
E emerge negro.

Clara luz,
Claro escuro.
Certas caras,
Certos muros.

Acena o dedo
Num gesto fugidio
Corpo escondido,
Movimentos esguio.

Natureza animal
Negro cristal,
Velho metal.
Cristalização fraccionada da alma.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Razão Animal

Fechamos os olhos
Escrevemos confissões.
Falamos de cabeça
Faltam-nos os corações.
Tentamos demais
Abandonamos depois.

Deixa voar o corpo alado
Sem regressões,.
Subir mais alto,
Deixar pseudo-evoluções.
Esquecer os demais
Demonstrar como nos retrais.

Razão animal
Equilíbrio cristalino
De limite fino
Pronto a quebrar.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Humanidades

Erros múltiplos na criação do aspirante ao perfeito, que não passa disso, aspirante. Eternas provocações, internos conflitos, despiques territoriais da alma. Sem admitir a mudança, arrependendo-se da teimosia, andamos tapando os buracos num navio de casco estilhaçado. Empurrões silenciosos, afastamos o que interessa, prendemo-nos ao fútil, superficial. São necessárias, sem dúvida, estas características. E por serem necessárias, é que todos nós nos tornamos em mestres da arte de varrer para debaixo do tapete, já dizia Bergman, o grande poeta visual. Mas o tapete ganha relevo, o lixo emocional acumula-se. Compramos ambientadores para esconder o fedor de tanto lixo. Mas chega uma altura em que é necessário despejá-lo. Mas não somos limpos, ou não seríamos animais de impulsos. Sujamos, conspurcamos o que outrora era puro e imaculado. E esta epidemia espalha-se cruelmente e impiedosamente a tudo o que não é detrito. Quem estraga tudo? Quem erra, quem sofre por errar? Nós, os humanos, chacais emocionais.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Contornos

Despojos da alma, dejectos criativos que fluem deste cérebro, deste criador destruidor de ideias. Uns nascem, outros morrem, como seres sujeitos aos caprichos infantis da mãe Natureza. Sim, sou um capricho, mas sei que não o devia ser, que entendo melhor algo que não deve ser entendido. Mas não percebo esta brincadeira a que chamam viver. Não somos vivos, somos seres animados. Precisamos de algo mais para viver. O quê? O que precisa a nossa alma, que elixir precisa para sentirmos a doce felicidade de viver? Somos nós os Marcos Polos da nossa alma, somos nós os descobridores da sua palavra santa. Temos escrituras, uma bíblia dentro de nós. Somos todos um pouco doidos, todos um pouco ingénuos, mas todos iguais. Quem tem a sorte de perceber as suas escrituras e tornar-se um teólogo de si mesmo, será melhor, será mais forte, será mais alegre. Porque se não percebemos as nossas escrituras, como poderemos ousar conhecer as escrituras deste trabalho maior? A emoção flui e somos movidos por este vício, esta droga. São distracções, meramente. Eleva-te, percebe-te, constrói-te e posteriormente, destrói-te, refaz-te...

terça-feira, 12 de julho de 2011

Começos

Sob a luz vaga e moribunda deste portal, crio, construo, destruo e desfaço. Destoam cores, sentimentos, emoções. O mar de ideias fervilha, cada uma borbulhando mais do que a anterior. Estou só, criando, desesperando criativamente, chutando palavras, na tentativa de marcar o golo. E aqui vos falo, com muitas palavras, pouco dizendo, mas muito sentindo.