quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O 2º Acto

Silêncio...
Passos que ecoam,
Como facas afiadas,
Num vazio de palavras
Que me preenche
O tranquilo coração...

O vácuo que tu deixaste,
Saindo sem saíres,
Enche-me de nada,
Deixa-me suspenso
Num limbo entre memórias
E presentes mal-amados.

E eu que me arranje.
Que o meu amor foi um monólogo.
E tu...
Tu não esperaste pelo segundo acto.

Manifesto

Um burburinho incessante
De vozes que se alevantam.
Juntam-se as vontades
Dos que não se contentam.

Seremos um,
Todos num só propósito!
Abaixo com o corrupto
Que nos chupa o depósito!

Avante, camaradas!
Que as trombetas já soam.
Vamos que já se faz tarde
E o tambor já ressoa!

Mas vão indo vocês,
Que eu estou enfastiado...
Sereis os revolucionários,
Que eu estou cansado...

Toupeira

A tinta da caneta acabou.
O sonho, a imaginação
Deixou de o ser
E a sensação inundou-me.

O fumo do cigarro envolveu-me
E a realidade,
Como um nevoeiro cerrado,
Não me deixa ver mais longe.

O silêncio era pesado
E ensurdeceu-me a razão.
Queria de volta a leve
E declarada felicidade do não ser.

Sou uma toupeira deste Mundo.
Quero a escuridão,
Quero o submundo,
Quero o irreal.

Doer

Tu doeste.
Tinhas farpas escondidas
Nos recantos do teu ser
Que só mostraste tarde demais.

Deixei-te entrar
Sem revistar as tuas profundezas,
Ingénuo no meu sentimento,
Embasbacado pelo sorriso.

Porque me enganaste?
Precisavas de espinhos
Para te proteger
De um ser tão fraco como eu?

E quando não esperava,
Doeste-me o coração.
As farpas ficaram,
Mas as lágrimas já secaram...

Tinta da china

Ouço o rabiscar inquieto
De um lápis mal afiado.
Por linhas grossas e imperfeitas,
Lá vai o carvão abrindo caminho.

Ouço também o leve som do atrito
Da borracha contra o fino papel.
Ficam apenas restos,
Que o sopro atira para o chão.

E eu olho o papel.
Não quero escrever ecos,
Não quero que o carvão do meu lápis
Decalque um caminho já feito.

Não me chega o carvão,
Não basta a efemeridade da grafite.
Quero o peso e a permanência
De escrever a tinta.

Leveza

Acordo, por vezes,
Com um leve torpor
Na traseira da cabeça,
Que me tolda a visão.

Numa escuridão qualquer,
Esfrego os olhos
E vejo pontos,
Vejo luzes que abrilhantam as trevas.

E nesse momento,
Rio-me da leveza
Com que vim ao Mundo
E com que dele partirei...

Talvez seja tudo um sonho.
Um pesadelo descabido
De alguém que nos materializa,
Jocoso da nossa imperfeição.

Mas a verdade é que não sei
E tenho raiva a quem sabe.
Se é para viver,
Ao menos que viva à minha maneira.

Comédias

            A vida está cheia de pequenas piadas sem piada que nos fazem rir nos momentos mais inoportunos, que nos levam um sorriso à boca sem sabermos muito bem porquê. É difícil escolher, no meio de tantas frases sem riso, mas a piada com menos piada que já ouvi… a Vida. Quem a contou? Nós… Cada um à sua maneira.
            No final, é tudo uma brincadeira. Somos todos comediantes à espera da frase-chave que encerre a nossa actuação… Mas o tempo que passamos no palco não se resume a esperar pela batida final… Pelo menos não para mim. Há que dar espectáculo, fazer soltar umas gargalhadas, levar lágrimas aos olhos, só com a nossa presença perante o grande auditório que é o Universo. E passamos a vida, fazendo piadas sem piada para esconder a falta de humor que nos consome a essência.
            A grande piada é isto não ter a mínima piada! É que nem deveria levar um sorriso aos lábios! Contudo, assobiamos e rimos, porque isso ainda não se paga… O que fazer então, perante esta piada que nos envelhece a cada gargalhada que soltamos? Disfrutar a viagem! E, se possível, fazermos as nossas alterações ao percurso. Como numa história que passa de boca em boca, que cada um embeleza à sua maneira. Mas são os floreados que definem a diferença entre os comediantes. Estamos condenados à mesma “punch-line” final. O que nos torna interessante é como chegamos lá! Não interessa se usamos ou não adereços, se somos cinicamente engraçados, ou abraçamos a nossa infantilidade. Não interessa, chegada a gargalhada final, o que conta, é o espectáculo que demos, os dentes que vimos e as lágrimas que os espectadores limparam.
            As cortinas caem e nós saímos do palco, mas sabemos que o sorriso final é nosso…

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

A Cidade

O que nos trouxe a cidade? Um parasita que se espalhou, como manteiga num pão quente, acabado de sair do forno, sendo agradável e suave ao primeiro toque, enrijecendo com o passar do tempo e o arrefecimento. De que nos serve agora o progresso?
                Mas que bicho é este? Como actua, como captura as suas presas, quais são as suas armas mais mortíferas? Ora bem, a cidade é um predador ágil e silencioso, que não ataca as suas presas ao primeiro contacto, mas que as amolece, que as estuda e depois dá a estucada final. A sua arma? A apatia. Os grandes prédios cinzentos (alguns já têm outras cores, mas isso não interessa para o caso) olham-nos como torres inacessíveis, fazendo-nos sentir pequenos, inúteis, parecendo mais projectados para nos relembrar da nossa insignificância do que para nos servir. As estradas, as ruas sem cores que fujam à tonalidade do preto e do branco, as ruas sem flores. A cidade é um ser assustador, que nos aprisiona no seu interior e nos ataca por dentro. Mas como fugir deste predador?
                Uma pessoa não foge da cidade. A cidade entranha-se e as “comodidades” que ela nos traz passa a ser essencial para a nossa vida. Não podemos voltar ao campo. A terra, o verde, as flores, os animais, tudo isso são futilidades. A vida é para ser vivida no meio do cinzento dos pilares da terra que acabarão por sucumbir ao seu próprio pretensiosismo. A cidade manda e nós obedecemos. A cidade controla a nossa vida.
                O resultado? A sociedade. Um aglomerado de pessoas sem nada em comum, nada que os faça querer esboçar um sorriso ao vizinho ou ao indivíduo que vai à nossa beira no autocarro. Porque sorrir cansa e retira preciosas moléculas de glicose necessárias à execução da nossa tarefa. O hipócrita é rei e o sorriso falso é a sua coroa. E, paulatinamente, a nossa cor, o nosso individualismo, a nossa diferença é destruída e tornamo-nos cinzentos como a cidade que nos engoliu. As presas aumentam, o número de hipócritas aumenta e a cidade aumenta. Mas quando colapsará, fruto da sua própria ganância? Quando vazará o jarro de água e nós, seus peixes, iremos desaguar aos campos? Anseio essa manhã de nevoeiro.