O que nos trouxe a cidade? Um parasita que se espalhou, como manteiga num pão quente, acabado de sair do forno, sendo agradável e suave ao primeiro toque, enrijecendo com o passar do tempo e o arrefecimento. De que nos serve agora o progresso?
Mas que bicho é este? Como actua, como captura as suas presas, quais são as suas armas mais mortíferas? Ora bem, a cidade é um predador ágil e silencioso, que não ataca as suas presas ao primeiro contacto, mas que as amolece, que as estuda e depois dá a estucada final. A sua arma? A apatia. Os grandes prédios cinzentos (alguns já têm outras cores, mas isso não interessa para o caso) olham-nos como torres inacessíveis, fazendo-nos sentir pequenos, inúteis, parecendo mais projectados para nos relembrar da nossa insignificância do que para nos servir. As estradas, as ruas sem cores que fujam à tonalidade do preto e do branco, as ruas sem flores. A cidade é um ser assustador, que nos aprisiona no seu interior e nos ataca por dentro. Mas como fugir deste predador?
Uma pessoa não foge da cidade. A cidade entranha-se e as “comodidades” que ela nos traz passa a ser essencial para a nossa vida. Não podemos voltar ao campo. A terra, o verde, as flores, os animais, tudo isso são futilidades. A vida é para ser vivida no meio do cinzento dos pilares da terra que acabarão por sucumbir ao seu próprio pretensiosismo. A cidade manda e nós obedecemos. A cidade controla a nossa vida.
O resultado? A sociedade. Um aglomerado de pessoas sem nada em comum, nada que os faça querer esboçar um sorriso ao vizinho ou ao indivíduo que vai à nossa beira no autocarro. Porque sorrir cansa e retira preciosas moléculas de glicose necessárias à execução da nossa tarefa. O hipócrita é rei e o sorriso falso é a sua coroa. E, paulatinamente, a nossa cor, o nosso individualismo, a nossa diferença é destruída e tornamo-nos cinzentos como a cidade que nos engoliu. As presas aumentam, o número de hipócritas aumenta e a cidade aumenta. Mas quando colapsará, fruto da sua própria ganância? Quando vazará o jarro de água e nós, seus peixes, iremos desaguar aos campos? Anseio essa manhã de nevoeiro.
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